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As origens da maconha no Brasil (parte 2/3)

Na medida em que aumentava o interesse econômico pela cannabis (clique aqui para ler a primeira parte da reportagem), seus diversos usos medicinais também se popularizavam, fazendo com que o consumo da diamba migrasse das senzalas para as casas-grandes.

Maconha nas farmácias brasileiras

São dessa época os primeiros registros da prescrição e venda das Cigarrilhas Grimault no Brasil. Também chamados de “cigarros índios”, consistiam em baseados pré-enrolados importados da França durante vários anos.

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Segundo formulário médico de 1888, o produto era indicado “contra a bronchite chronica das crianças, na asthma, catarrhos, na tísica laryngea, insomnia, roncadura, flatos”.

“Ao que parece, as Cigarrilhas Grimault tiveram vida longa no Brasil, pois ainda em 1905 era publicada em nosso meio a sua propaganda”, afirma Elisaldo Carlini, professor de Psicofarmacologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), fundador e diretor do  Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas (Cebrid).

O discurso médico proibicionista – ou “reefer medicine”

O ápice da combinação de racismo e proibicionismo – que até hoje encontra-se na raiz do preconceito contra a maconha no Brasil – pode ser verificado na obra do Dr. José Rodrigues Dória. Professor das Faculdades de Medicina e Direito da Bahia, ele também é o um dos mais lendários proibicionistas do país. Não seria exagero dizer que esse médico nascido no Sergipe em 1857 foi uma espécie de “facilitador” para o surgimento do épico Reefer Madness (filme lançado pelos Estados Unidos em 1936 associando o uso de maconha com violência e loucura).

Pois certamente foram argumentos como o do Dr. Rodrigues Dória que ajudaram a construir alguns dos mais antigos e arraigados mitos sobre erva.

Em 1915, Dória apresentou um estudo intitulado “Os fumadores de maconha: efeitos e males do vício” durante o Segundo Congresso Científico Pan-Americano em Washington, nos Estados Unidos. A partir da comparação com os estudos de um médico francês especialista em ópio, Dr. Roger Dupouy, Dória transfere o quadro doentio dos viciados em ópio para os usuários de maconha.

Carregado de preconceitos típicos da época, o autor afirma que o “mal” da maconha foi trazido e herdado dos escravos, como uma vingança da “raça subjugada” por terem lhe tirado a liberdade: “dentre esses males que acompanharam a raça subjugada, e como um castigo pela usurpação do que mais precioso tem o homem – a sua liberdade -, nos ficou o vício pernicioso e degenerativo de fumar  as sumidades floridas da planta aqui denominada fumo de Angola, maconha e diamba”.

escravosss

Contemporâneo de Rodrigues Dória, o médico Francisco de Assis Iglesias também fazia coro aos argumentos racistas e mostrava-se preocupado com o uso da maconha. No artigo intitulado “Sobre o vício da diamba”, apresentado em 1918, ele descreve uma experiência em que administrou altas doses de cannabis a pombos e outras cobaias. Como era de se esperar, os animais apenas manifestaram ligeira excitação seguida de sonolência, com completo reestabelecimento dentro de poucas horas.

Mesmo com resultados tão tranquilos, Iglesias concluiu que a planta poderia até mesmo matar um ser humano: “esse vício, extremamente nocivo, determina graves perturbações de saúde, que se traduzem ordinariamente por alucinações, podendo terminar por alterações mentais que levam às vezes ao crime ou ao suicídio”.

(continua…)

*  Reportagem publicada originalmente em espanhol na revista Soft Secrets Latam. Para ler a primeira parte, clique aqui. 

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