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Reflexões sobre o voto do Ministro Luis Roberto Barroso

O RE 635.659 é um Recurso Extraordinário que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual se discute, à luz do artigo 5º da Constituição Federal, a falta de compatibilidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica o porte de drogas para consumo pessoal, com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada. Lei esta que fere a liberdade individual e não ajuda em nada no tratamento dos viciados em verdadeiras drogas.

Para que o usuário fique livre de todos os riscos que a atual política proibicionista impõe, devemos pedir agilidade no julgamento da RE. O que fazemos em nossa privacidade só diz respeito a nós mesmos. Vamos propagar as ideias de inconstitucionalidade da proibição.

Precisamos mostrar ao STF que pensamos da mesma maneira que o Ministro Luis Roberto Barroso, o qual reconhece que o combate às drogas fracassou globalmente. É ilógico querer amenizar os males das drogas colocando os usuários na cadeia. Cadeia não ameniza nada. Apenas aumenta o problema. São incontáveis e incessantes as rebeliões em estabelecimentos penais – e o consumo de drogas cresce exponencialmente nestes ambientes.

A seguir, vamos refletir sobre as ideias presentes no voto do Ministro Barroso.

Qualquer solução tem um custo alto. Mas virar as costas para o problema não faz com que ele se resolva. Em uma democracia nenhum termo é tabu, portanto qualquer tema pode ser discutido à luz do dia.”

Já passou da hora de enfrentarmos essa questão de frente. Ignorar os usuários não soluciona problema algum. E os maconheiros não são o problema. Inclusive, são eles os que mais têm problemas. E não é com a substância em si, mas sim com as leis antiquadas e cruéis. Das soluções que se apresentam, a que menos traz riscos é a legalização da cannabis. A democracia é o regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente. E os degustadores de cannabis são cidadãos e possuem direitos.

“Descriminalizar o porte de 3 gramas de maconha…”

Embora ainda seja muito pouco, não podemos negar que já é um bom começo. Mas só isso? Aí complica um pouquinho. Três gramas não chegam a ser nem um quarto do que muitas pessoas precisam para uma dose medicinal. Quem faz seus próprios remédios caseiros à base de cannabis sabe que essa quantidade é ínfima para qualquer fórmula. O cultivo de uma planta jamais deve ser considerado um crime.

“Despenalizar: deixar de aplicar pena que cerceia a liberdade.”

Vamos combinar que tirar a paz de alguém por causa um vaso de flor é um absurdo. Penas servem apenas para situações com efeitos devastadores. Os únicos efeitos colaterais que o uso da cannabis acarreta são: amor pela natureza, busca pela paz e vontade de comer. A polícia já está assoberbada de serviço para perder tempo procurando plantas nas casas das pessoas inocentes.

“Esta discussão é sobre a descriminalização; alegalização cabe ao congresso, ao poder legislativo.”

Quando se trata de legalização, temos o Projeto de Lei 7270/14, que estabelece regras para a produção e a comercialização da flor da cannabis e tramita em conjunto com o PL 7187/14, do deputado Eurico Júnior do Partido Verde, que libera a plantação da maconha em residências, além do cultivo para uso medicinal e recreativo. A discussão continua com alguns deputados conservadores que não entendem nada do uso medicinal e acabam atrapalhando.

“O consumo de drogas pesadas é uma coisa que não faz bem. Os papéis da sociedade são: tratar os dependentes e combater o tráfico.”

Se não existisse comprador, não existiria o traficante. O tráfico surge apenas porque a substância é proibida. Se as drogas não fossem proibidas, não existiria esse cenário. Para que os depend sejam tratados é preciso que se faça real a redução de danos conscientizadora.

“A primeira reflexão é que as drogas são ruins. O segundo ponto é que o movimento de guerra às drogas que começou com Nixon fracassou.. A triste verdade é que, passados 40 anos, nós convivems com um consumo crescente. Os dependentes não estão sendo adequadamente tratados, e há uma explosão no poder do tráfico, com custos econômicos altíssimos. Insistir nessas políticas é fechar os olhos para a realidade.”

A repressão nunca foi a solução. Se muitos acham que o excesso de proibição resolve o problema, basta olhar para o vasto complexo normativo do Brasil, que não tem resolvido nada. O próprio ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Evandro Lins e Silva disse: “nunca conheci ninguém que tenha feito uma prévia consulta às leis penais antes de infringi-las.”

“É preciso olhar o problema das drogas sob uma perspectiva brasileira. O grande problema do primeiro mundo é o consumo. Esse não é o problema mais grave que enfrentamos no Brasil. O primeiro e grande problema do Brasil é o poder do tráfico. O poder que os barões do tráfico exercem sobre as comunidades carentes, as comunidades pobres, ditando a lei e praticando a violência. É uma tragédia moral brasileira a impossibilidade das famílias educarem seus filhos dentro da honestidade.”

Nosso panorama é tão obsoleto que perdemos para o Chile, a Argentina, a Colômbia e a Venezuela, que não tratam como crime o uso individual de drogas. Essa discussão é mundial e não regional. Nosso vizinho Uruguai até já regulamentou a venda e a produção de maconha.

“A solução é acabar com a ilegalidade da produção, distribuição e consumo das drogas.”

Apreender vasos de plantas e atormentar a vida de seus cultivadores não traz nenhuma paz para a sociedade. Pelo contrário, traz o caos. A legalidade tira o cliente do tráfico. Aí está a solução para o problema. Simples e apaziguadora.

“Acabar com a fonte de poder do tráfico.”

Quem acha que mesmo com a legalização o produto do tráfico continuará com alta demanda precisa refletir sobre a seguinte questão: que pessoa, em sã consciência – e com a possibilidade de ir a um coffeeshop ou dispensário, repleto de produtos frescos e naturais – optaria por continuar comprando prensado mofado?

“No mundo do direito, não podemos fazer experimentos em laboratório para saber se vai dar certo. Portanto devemos construir as coisas passo a passo para ver se dá certo.”

A importância social do uso da maconha por si só já é um experimento pronto. A cultura canábica é milenar. A cannabis faz parte do cotidiano social de muitas pessoas, e seus usuários representam grupos bem definidos. Esse experimento pronto resulta da interação entre o empirismo e o conhecimento erudito. A medicina canábica vem sendo tratado como crime, e isso é imoral.

“A maconha é o primeiro passo porque os danos são menores.”

Noto e Formigoni (2002) nos mostram que, se comparados aos efeitos da cocaína, os efeitos prejudiciais da maconha em curto prazo não são bem evidentes. Ou seja: a cannabis é uma substância leve, incapaz de causar uma overdose. Como o efeito começa a aparecer em poucos minutos após fumar ou vaporizar, é muito fácil controlar a sua dosagem. Já no caso de outras drogas, como o álcool e a cocaína, o descuido da dose pode ser atormentador e fatal.

“A primeira prioridade brasileira é acabar com o poder do tráfico.”

O tráfico de drogas pesadas representa o verdadeiro dominador político nas comunidades pobres. Os megatraficantes contam com equipes de centenas de pessoas e transportam suas mercadorias utilizando esquadrilhas de dezenas de aeronaves. Em seu arsenal contam com armas militares e quilos de munição. Mesmo quando um traficante é preso, um parente próximo ou um braço direito sempre continua tocando os negócios. E quase nunca é o megatraficante que é preso. Geralmente são usuários jovens e pobres, que ao serem presos entram na bola de neve da criminalidade.

“As cadeias estão entupidas de jovens pobres, que são presos como traficantes e passam a cursar a escola do crime.”

Os usuários pobres são enquadrados como vendedores, enquanto os ricos são enquadrados como usuários, como afirmou o ex-secretário nacional de Justiça Pedro Abramovay, que defendeu publicamente a extinção de penas para pequenos traficantes. O problema da superlotação prisional neste caso seria resolvido.

“Genocídio de jovens pobres e negros.”

Em pleno século XXI, ainda nos deparamos com o racismo. Nossa população é constituída por mais de 51% de pessoas negras. Em 2015, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou casos de violência contra jovens negros e pobres no Brasil concluiu que o homicídio é a principal causa de morte de brasileiros negros do sexo masculino.

“O usuário com a sua importância não deve ser tratado como um criminoso, mas como alguém que é sujeitado a um comportamento de risco por sua escolha. O risco por si só não é motivo para criminlizar. Senão o alpinismo também deveria ser proibido.”

Manter o foco exclusivamente na repressão penal é um mecanismo falho. É preciso ter coragem para se submeter à realidade comandada pela repressão. Quem quer usar qualquer substância deve ter o seu direito respeitado e garantido. Claro, desde que ele não interfira na vida de outras pessoas. A liberdade é a possibilidade de agirmos de acordo com a nossa vontade . Todos os cidadãos que se julgam responsáveis pelos seus atos estão livres para fazer o que quiserem; a forma como cada um cuida do seu corpo é problema de cada um.

Por fim, vale dizer que precisamos urgentemente de normas adequadas à nossa sociedade. Deixamos aqui um apelo para os Ministros que ainda vão votar: que as nossas leis parem de reprimir as pessoas de bem. Por trás de todo flagelo de hoje estão as políticas públicas básicas deficientes de ontem. A culpa dos nossos problemas não é das pessoas pobres, e sim das ações ineficientes do passado. Ou se curam as causas do problema da criminalidade, ou os brasileiros começarão a imigrar para o Uruguai.

*Por Rodrigo Filho∴, escritor e ativista

**Foto: Foto: Nelson Jr.

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