Embora já exista pelo menos uma dezena de associações semelhantes formalizadas em diversos locais do Brasil, na pequena cidade de Vargem Grande do Sul (SP) a Associação Cultural Canábica Serra da Mantiqueira (ACUCASEMA) corre o risco de ter seu registro público negado devido ao preconceito e à desinformação.
Em novembro de 2017, a entidade – que se dedica à pesquisa, disseminação de informações sobre cannabis e principalmente ao acolhimento de pacientes, familiares e afetos – protocolou pedido de registro público no Cartório de Pessoas Jurídicas de Vargem Grande do Sul.
Tal registro, conforme explica a advogada Lorena Otero, consiste no “primeiro passo para criação da personalidade jurídica da associação, para posterior inscrição no CNPJ”.
Desconhecendo a existência de diversas associações semelhantes no país – incluindo a ACUCA-SP, Apepi, Cultive, etc – o Oficial Registrador encaminhou dúvida à Corregedoria de Justiça, cuja Promotoria manifestou-se contrária ao registro.
Ao negar o pedido de registro, o Promotor de Justiça Leonardo Meizikas reitera a dúvida, indagando: “a finalidade da ACUCASEMA seria lícita ou ilícita? Assevero que a finalidade ilícita não é apenas aquela sancionada pela lei penal, mas, também, aqueles comportamentos reprovados pela ordem jurídica sem que lhes seja cominada uma sanção penal. A ilicitude moral e ofensa aos bons costumes mostram-se subjetivas, pois é preciso inferir tais conceitos abertos para depreender o significado de tais atos ilícitos”.
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Em contestação, a ACUCASEMA esclareceu que seus objetivos são lícitos, anexando as mais atuais normas publicadas no Diário Oficial da União sobre o uso terapêutico da cannabis e seus componentes, argumentando que a entidade está de acordo com a legislação no País e apresentando provas de outras associações semelhantes – já citadas acima – que tiveram seu registro expedido sem instauração de procedimento de dúvida.
Segundo Lorena Otero, a dúvida sobre a legalidade da ACUCASEMA deve-se única e exclusivamente aos estigmas que rondam a planta e a palavra cannabis, “que é, sem qualquer juízo crítico, automaticamente relacionada a contextos ilegais e imorais”.
“Nasci e morei em Vargem Grande do Sul até meus 18 anos. Cresci ouvindo do PROERD ‘Diga não às drogas’ todo ano na escola, enquanto a Gazeta de Vargem divulgava em capa as principais fotos da Festa do Chopp da SBB (um clube local). Hipocrisia. Maconha sempre foi tabu, é uma planta associada à vagabundagem e delinquência. A cidade precisa se abrir para descobrir o potencial medicinal e econômico da planta para a região, que possui terra agrícola e que passa por dificuldades de manter o sistema de saúde desde sempre”, ressalta a advogada.
O presidente da ACUCASEMA, Leonardo Aliende Scolari, também é nascido na cidade, formado em Psicologia e possui experiência em gestão de ONG, sendo o fundador de uma outra associação na área da cultura para atuar na cidade. Ele tentou conversar com o Promotor de Justiça para se apresentar e esclarecer a finalidade da associação, no entanto, o analista de gabinete informou que não adiantaria, pois, o Promotor iria manter o parecer até o julgamento do RE 635.659 pelo STF.
“A sensação que tivemos é que o Promotor nem leu a contestação. Conheço o trabalho do Dr. Leonardo, principalmente no âmbito de causas de violência familiar, é um excelente promotor, mas nessa nos decepcionou ” – comentou Lorena.
Agora, só resta esperar até que a Juíza Corregedora de Vargem Grande do Sul manifeste sua posição, enquanto pacientes que necessitam de maconha para tratamento de saúde e incremento à qualidade de vida seguem desassistidos.
Saiba mais sobre a ACUCASEMA
Além dos fundadores, a Associação Cultural Canábica Serra da Mantiqueira conta atualmente com mais de 150 pessoas aguardando o registro para firmarem apoio à entidade. Outros 46 profissionais também já manifestaram interesse em firmar parcerias, incluindo médicos, biomédicos, químicos, psicólogos, farmacêuticos, agrônomos e advogados, entre outros.
Até o momento, a associação congrega cerca de 50 usuários medicinais de cannabis, incluindo portadores de doenças como depressão, epilepsia, autismo, Landau-Kleffner, HIV, retocolite ulcerativa e fibromialgia.
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