A Europa produz maconha de forma industrial. Produz em quantidade suficiente para satisfazer uma parte importante de sua demanda (ao redor de 60%) e reduzir sua dependência de outros continentes. Durante os últimos cinco anos se consolidou uma revolução silenciosa no narcotráfico, até o ponto de fomentar um mercado interior europeu com seu fluxo de importações e exportações.
O fenômeno também afeta a Espanha, onde a produção quintuplicou e o confisco de plantas de cannabis cresceu ao redor de 52% entre 2009 e 2013, segundo dados do Ministério de Interior. Nas cinco províncias mais afetadas foram confiscadas cerca de 105.000 plantas apenas em 2013. Há uma década, um especialista advertiu sobre a futura evolução de uma droga europeia e a batizou com o nome de eurocannabis.
Aquela menção à eurocannabis, que alguns tacharam como uma projeção um tanto alarmista, se consolidou. A melhoria genética de alguns tipos de sementes, os avanços na tecnologia dos cultivos hidropônicos (sem terra), a existência de plantas menores capazes de gerar entre quatro e seis colheitas por ano com produções de maior qualidade brindam uma “vantagem competitiva” às hortas nativas. Consequência disso, o cultivo de cannabis se generalizou na Europa, a produção se triplicou em cinco anos e afeta 26 países europeus. Segundo a Europol, foram confiscadas mais de sete milhões de plantas em 2012.
Existem indicadores suficientes para afirmar que a Espanha não apenas se incorporou ao grupo de produtores, mas também ao de exportadores de maconha.
Os dados do interior são ilustrativos: a soma das plantas de maconha confiscadas nas cinco províncias mais afetadas (Murcia, Málaga, Granada, Alicante e Valência, por esta ordem) supera as 105.000 durante o ano de 2013. As operações que começaram descobrindo pequenos viveiros caseiros evoluíram até chegar a instalações quase industriais, detrás das quais há atores que operam com uma ideia de negócio.
Tanto a polícia quanto a Guarda Civil não possuem muitas informações sobre o perfil dos agricultores. Tivemos casos de produtores locais sem relação com distribuidores estrangeiros, mas também de produtores estrangeiros (holandeses e britânicos) estabelecidos na Espanha. “A investigação destes casos é muito mais complexa”, comenta um tenente da Guarda Civil em Málaga, “porque estas organizações são muito pequenas e não precisam do número de colaboradores nem a complexidade de uma operação de transporte de haxixe, por exemplo. O mesmo produtor pode fazer quase todas as tarefas”, explica o oficial, “não precisa cruzar o Estreito nem nada parecido: coloca a produção em um carro ou em um caminhão e a leva até seu destino. No máximo, precisa de algumas pessoas para vigiar a propriedade ou o galpão.”
Os agentes consultados reconhecem a “vantagem competitiva” dos produtores locais pela eliminação de intermediários em uma parte da cadeia, o que aparece nos relatórios. “Os agricultores dos tradicionais países produtores de cannabis”, diz a Europol, “não recebiam mais que uma modesta porcentagem do preço final pago pelos consumidores europeus. No entanto, os produtores europeus chegam a ganhar quase 50% da renda.” Também existe outro fator, que é o preço: o grama de maconha subiu de 3,58 euros a 5,02 em quatro anos, enquanto que o grama de haxixe (a resina da planta de cannabis) permaneceu estável. Essa estabilidade nos preços é explicada pelos especialistas da Europol como outro indicativo da concorrência imposta pela eurocannabis, que está se apoderando de mercados antes quase exclusivos do haxixe procedente do Marrocos. A evolução dos confiscos também aponta uma evidente queda: dos mais de 700.000 quilos nos anos 90 a pouco mais de 300.000 na atualidade.
A geografia do novo mercado europeu ainda é imprecisa, porque as estatísticas são muito recentes, a coleta de dados não está homologada e coexistem cultivos em viveiros e cultivos de exterior, estes mais extensos em países do sul da Europa, entre eles a própria Espanha, onde às vezes se ocultam entre plantações de milho ou outros produtos agrícolas.
Os especialistas coincidem que os dois maiores produtores de maconha são Holanda e Reino Unido, onde se localizaram maior número de plantações. Atrás ficariam, só em 2012, Polônia e Bélgica, onde foram descobertos entre 1.200 e 1.500 centros de produção. O caso belga tem sua explicação: por causa de algumas mudanças legislativas que penalizavam o cultivo, os produtores holandeses transferiram algumas de suas plantas para a Bélgica, para depois importar a produção para suas coffee shops.
*Fonte: El País