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Greve X trabalho: o que isso tem a ver com a maconha?

Há tempos temos visto em nosso país uma série de manifestações por mudanças no Estado e na sociedade brasileira. Muitas delas com pautas definidas, outras desorganizadas, em um conjunto de disputas éticas – sobre como devemos nos comportar -, ou estéticas – sobre como devemos aparentar.

A forma dessas manifestações varia muito: desde verdadeiras micaretas até atos organizados por movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos e conjuntos de empresários.

Nesse contexto, destaco uma forma clássica de manifestação, que tem por objetivo o limite à exploração do trabalho: a greve.

Mobilização social e greve

Desvirtuada, pelega, desorganizada, sem sentido: se ouvem muitos predicados negativos sobre as greves, principalmente por pessoas que buscam se mover “livremente” pelos centros urbanos. Alguns diriam que um cenário sindical tomado por partidos políticos, com pulverização de uma baixa representação das categorias seria o responsável pela crise do movimento grevista, que tem pouca adesão até mesmo dentre os trabalhadores.

Outros poderiam defender que trata-se de um avanço de uma política neoliberal agressiva, com uma constante precarização do trabalho, que cada vez mais retira do trabalhador sua identidade profissional, colhendo dele apenas o resultado de seu trabalho, totalmente alienado.

De qualquer maneira, aparentemente, a greve não possui mais o impacto sobre a sociedade que já teve na história (vide o impacto do movimento das greves do ABC para consolidar o poder político do ex-presidente Lula).

E o que as greves têm a ver com a maconha?

Mas afinal, porque falar de greve entre maconheiros? Simplesmente porque os mais politizados entre eles talvez já tenham se aproveitado de uma greve para poder ficar em casa fumando unzinho, atrasar 20 minutos no trabalho ou até mesmo para criticar algum aspecto da realidade política.

Não há nada de grave nisso, uma vez que pode-se argumentar que é melhor aproveitar o ócio do que ceder aos interesses do patrão. Talvez essa não seja a atitude mais louvável, mas, sendo realista, é de se esperar que aso pessoas, mesmo as mais puritanas, desvirtuem os objetivos da greve para atender aos seus próprios. Coisas de ser humano.

O convite à reflexão que faço é que a maconha, assim como qualquer outra droga, além de ser utilizada nesses momentos de ócio grevista, é fruto de uma intensa e complexa cadeia de produção, que envolve uma série de trabalhadores.

Quem vende droga é trabalhador?

Como é de se imaginar, atualmente, o Estado brasileiro não considera nenhum desses sujeitos como trabalhadores. Algumas mudanças da ANVISA podem acabar criando uma categoria de trabalhadores da maconha, muito restritos: aqueles que atuarão produzindo a variedade medicinal, controlada pela indústria farmacêutica. No entanto, grande parte daqueles que produzem a maconha consumida no Brasil continuarão exercendo seu trabalho na clandestinidade.

Vou considerar aqui, pelo livre debate de ideias, que alguém que comete um crime ao mesmo tempo pode estar produzindo riqueza, renda e trabalho. Longe de romantizar o traficante, a ideia aqui é pensar para além das formalidades.

Afinal, muitos aceitam a ideia de que as milícias podem ser compostas também por pessoas que apenas queiram organizar a atividade econômica e a segurança de uma certa região, embora também esteja claro que sua atuação seja criminosa. O papel aceita essas viagens.

O risco da empresa tráfico

“Traficante não é trabalhador! É um empresário! Quem se envolve com a venda de drogas já sabe disso, assume o risco desse negócio”, alguns podem argumentar.

Aqui vai uma distinção clássica entre quem é empresário e quem é trabalhador, que o mundo contemporâneo tende a cada dia destruir: empresário (ou capitalista, se preferir) é todo aquele que detém a posse dos meios de produção de sua riqueza, enquanto trabalhador é aquele que vende sua força de trabalho.

Nesse sentido, empresário não é aquele que assume o risco. O nome disso é “ser humano”. Todas as pessoas assumem riscos na vida, inerentes à qualquer atividade. “Risco” nada mais é do que o conceito que visa matematicamente representar quanto você vai se dar mal no futuro.

O risco é como se fosse o inverso do prêmio, o prêmio é uma “chance” de se dar bem, enquanto o risco é uma “chance” de se dar mal. Manejar o risco não faz de ninguém um empresário, ou um capitalista, ou um empreendedor, nem nada disso.

Dito isso, esse papo de que todo traficante é um “empresário que assumiu o risco de uma atividade ilícita” serve apenas para uma ínfima parte daqueles que trabalham com o tráfico, uma vez que para considerarmos o traficante um empresário – e não um trabalhador nesses termos -, ele teria que ser dono da terra, das plantas, da semente, da estufa, dos fertilizantes, dos temporizadores, etc. Fora isso, a maioria é comerciante, tão trabalhador quanto qualquer outro assalariado.

O problema é que esse comerciante não tem direitos trabalhistas ou mesmo aqueles destinados a pequenos empresários.

Ele assume a atividade sem qualquer anteparo jurídico, e alguns economistas dizem que é por isso que o preço daquilo que ele vende é caro: o risco está embutido. Difícil saber, já que não existe nenhuma regulamentação da atividade ainda.

O certo é que é inimaginável pensar em aviões do tráfico levantando cartazes ou fazendo piquetes. Aliás, o trabalho infantil é uma dura realidade nas bocas de fumo, sem sequer existir um curso profissionalizante vinculado ao trabalho desse “jovem aprendiz”.

Em contrapartida, ainda que ausentes todos os direitos da sociedade dita civilizada no mundo do tráfico, é possível que o menino ou menina que trabalham para o crime sequer queiram outro trabalho. Isso porque o montante de dinheiro é enorme, o status quo é positivo e a relação com o patrão às vezes é mais próxima do que se imagina.

Enquanto, por um lado, não é incomum que empregados em pequenas empresas familiares vejam seu patrão – filho do dono da empresa – como um sujeito incompetente e privilegiado, pertencente à uma classe distinta, o dono da boca do bairro muitas vezes é alguém com uma infância pobre e de origem batalhadora, assim como o aviãozinho da ponta.

Claro que existem muitos abusos nessa relação. Seu patrão provavelmente não pede para você descumprir a lei ou enfrentar a polícia de fuzil na mão. Além disso, você dificilmente terá de responder na prisão pelas atividades da empresa.

Por outro lado, se pensarmos em trabalhadores da industria de alimentos, de bebidas ou tabagista, o produto que seu patrão pede para você produzir ou vender é muito mais nocivo para a saúde do que um baseado (e até mesmo um pino de cocaína).

E a polícia?

Outro lado importante dessa história é contada pelo policial. O sujeito que é visto por muitos como o principal responsável por impedir que ocorram crimes é mal treinado, mal equipado, tem turnos de trabalho desgastantes, não raro tendo que complementar sua renda com bicos. Para piorar, é mal visto por parte da sociedade, confundido com os líderes políticos que usam sua imagem para vender uma imagem autoritária de combate à violência (para alguns, a carapuça pode mesmo servir).

Para completar, o regime de trabalho desses profissionais se submete ao Direito Militar, em que inexiste o direito de se opor à hierarquia de comando. Já pensou em ser preso quando você reclama do seu chefe? Então, isso pode ocorrer com policiais.

Não raro nas Marchas da Maconha pelo Brasil ouvimos gritos pelo fim da polícia militar ou sobre como a Guerra às Drogas mata pretos e pobres todos os dias. Esquecemos, contudo, de lembrar que o papel institucional da polícia não é o de matar pessoas, e que nem todos os policiais querem fazer do sadismo uma carreira.

Promover segurança vai muito além de “dar tiro em bandido” ou “enfrentar o crime”. Esse é um modelo em disputa de segurança pública, muito reforçado por políticos, pela mídia e, infelizmente, por uma boa parte do judiciário.

Não precisava ser assim. Talvez se os policiais tivessem voz para fazer valer seus direitos, eles escolheriam também acabar com a Guerra às Drogas – existem policiais, inclusive, que se manifestam nesse sentido.

Infelizmente, boa parte da representatividade dos policiais está centrada em figuras sádicas, que promovem a ideia de que é necessário mais armas, mais guerra, mais morte, ao invés de atender às demandas simples e muito mais significativas, como a melhoria das condições de trabalho, a saúde e formação dos policiais, uma visão estratégica de segurança pública, entre outras coisas.

O mundo ideal

Como em toda boa viagem, que tal imaginar um outro mundo? Nele trabalhadores têm direitos, sem serem chamados de vagabundos.

Nesse mundo – legalizado é óbvio – não existe tráfico, existe comércio regular ou irregular, e quem trabalha com isso também têm direitos. O policial, aqui, não mata, prende muito raramente e é bem tratado pela população.

Mas, enquanto isso, tendo em vista a conjuntura atual do Brasil…brisa boa, né? Não tá rolando…

*Por Pedro Faria, ativista pela legalização das drogas

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