A crise de opióides é o fenômeno do rápido aumento no uso de medicamentos opióides que hoje atinge principalmente os Estados Unidos.
A crise teve início no final dos anos 90 e atualmente alcança níveis alarmantes. Em outubro de 2017, o presidente americano Donald Trump chegou a declarar “emergência de saúde pública”. Recentemente, pesquisadores e autoridades americanas perceberam que podem contar com uma ajuda inusitada para o controle desta crise: a legalização do uso medicinal da maconha.
Os opióides são uma classe de substâncias com forte ação analgésica (aliviam a dor), que inclui a oxicodona (OxyContin®️ e Percocet®️), hidrocodona (Vicodin®️, o remédio do Dr. House), fentanil, morfina e a heroína. Alto risco de dependência e overdose estão associados aos opióides e, por serem substâncias psicotrópicas, também são utilizados como drogas recreativas.
Engana-se quem acha que o pivô desta crise é o comércio ilegal. Em 2016, quase metade de todas as mortes por overdose nos Estados Unidos envolveu opióides prescritos, isto é, que foram receitados por médicos. E este pode ser o principal fator que alimenta a crise. A prescrição de opióides aumentou de 148 milhões em 2005 para 206 milhões em 2011. Ao mesmo tempo, os casos de overdose fatal também aumentaram: de 15 mil mortes em 2005 para 33 mil em 2015.
Enquanto isso, uma opção política que – não intencionalmente – está contribuindo no combate à crise de opióides é o processo de legalização do uso medicinal da maconha, planta muito utilizada para o tratamento de dores. Desde 1996, quando a Califórnia aprovou a primeira lei, 29 estados americanos já implementaram alguma legislação que permite o uso medicinal da planta.
Diversos estudos já evidenciaram a eficácia da maconha em tratar diferentes tipos de dor (veja mais em: 1, 2, 3, 4), o que permitiria a aplicação da planta em conjunto, ou até mesmo em substituição, a outros analgésicos, o que poderia diminuir a utilização de opióides. Além disso, a maconha é uma opção mais segura, não causa depressão respiratória como os opióides e não há registros de overdose fatal até o momento.
Recentemente, pesquisadores americanos compararam, entre os anos de 2010 e 2015, o número de prescrições de medicamentos opióides em estados americanos com e sem a maconha medicinal legalizada. Eles observaram que nos estados onde é possível utilizar a maconha medicinalmente há redução de mais de 2 milhões de doses de opióides, valor 8,5% menor em comparação aos estados sem maconha medicinal.
Já a indústria farmacêutica, é claro, não ficou parada quando este potencial da maconha começou a ficar mais evidente. Em 2016, a farmacêutica Insys Therapeutics doou 500 mil dólares ao grupo de oposição à legalização da maconha medicinal no estado do Arizona. A Insys é a responsável pela produção do medicamento Subsys®️, cujo princípio ativo é o fentanil, um dos opióides mais potentes e perigosos. Apesar da pressão exercida, a maconha medicinal foi posteriormente legalizada no Arizona.
Mas a indústria farmacêutica nunca perde e como diz o ditado: “se não pode vencê-los, junte-se a eles”. Em 2017, a Insys Therapeutics lançou um medicamento à base de Δ9-THC sintético e atualmente desenvolve dois medicamentos para overdose e dependência de opióides. Estas ações agressivas por parte das farmacêuticas ficam mais claras quando alguns números vêm à tona: estima-se que o tamanho do mercado de opióides alcance 35 bilhões de dólares em 2025.
*Por Lia Esumi: Bióloga, MS/PhD em Psicobiologia e colaboradora no Maryjuana.