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Usuário de drogas pode ser preso em flagrante?

Será que o usuário de drogas pode ser preso em flagrante no Brasil? Confira em mais um artigo da série “Pergunte ao Advogado”.

A atual Lei de Drogas brasileira (nº 11.343/2006) diferencia o usuário do traficante inspirada em um modelo médico-jurídico, considerando o consumidor de drogas ilícitas como dependente e o produtor/comerciante como criminoso, com reflexo no tratamento legal das condutas.

Para o usuário, nesse sentido, adotam-se medidas preventivas quanto ao uso daquelas substâncias, enquanto que sobre o traficante recai a repressão do sistema de justiça criminal, com rigor punitivo pela produção e/ou comercialização de drogas proibidas no território nacional.

Daí por que o tipo legal de possuir e/ou portar drogas para consumo pessoal previsto no artigo 28 não prever a aplicação de pena privativa de liberdade ao usuário, mas medidas alternativas, como a advertência sobre os efeitos das drogas; a prestação de serviços à comunidade e/ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, o que gerou grande debate acerca da abolição de seu caráter criminoso.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 430.105/RJ, em 13/2/2007, rel. Min. Sepúlveda Pertence, decidiu que com o advento da Lei n. 11.343/2006, não houve descriminalização da conduta de porte de substância entorpecente para consumo pessoal, mas mera despenalização.

Apesar da Lei de Drogas não prever pena privativa de liberdade para o usuário, a conclusão, por ora, é no sentido de que a ação é tida como criminosa no Brasil, submetendo quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar à advertência sobre os seus efeitos; à prestação de serviços à comunidade e/ou à medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Aguarda conclusão na Suprema Corte, no entanto, o julgamento do RE n. 635.659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, em que se discute, à luz do art. 5º, inciso X, da Constituição da República de 1988, a compatibilidade, ou não, do art. 28 com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada.

Diante da conjuntura proibicionista brasileira, muitos leitores têm enviado mensagens perguntando se o usuário, ou seja, aquele que, por exemplo, traz consigo (no bolso, na carteira, na mochila etc.), para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar pode ser preso em flagrante.

O artigo 301 do Código de Processo Penal prevê que “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.

A Lei n. 11.343/2006, no entanto, em seu art. 48, parágrafo 2°, dispõe que:

Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.

Segundo Luiz Flávio Gomes, “a correta compreensão do dispositivo exige recordar que a prisão em flagrante conta com quatro momentos distintos: (a) captura do agente; (b) sua condução coercitiva até à presença da autoridade policial; (c) lavratura do auto de prisão em flagrante e (d) recolhimento ao cárcere”.

Em outras palavras, em que pese a Lei de Drogas proibir que se imponha ao usuário a prisão em flagrante (isto é, a lavratura do auto de prisão em flagrante e o recolhimento ao cárcere), é permitida, uma vez verificada a posse ou o porte de drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar a sua captura por qualquer pessoa ou pela polícia e condução até a presença da autoridade policial.

Convencida a autoridade policial quanto a existência do crime, ou seja, de que se trata de uma daquelas drogas proibidas no Brasil pela Anvisa (Portaria n. 344/1998) e de que esta se destinava ao consumo pessoal, determinará a lavratura de termo circunstanciado, mas não imporá, por expressa vedação legal, prisão em flagrante ao usuário (art. 48, parágrafo 2°, da Lei n. 11.343/2006), que deverá ser encaminhado ao Juizado Especial Criminal competente ou assumir o compromisso de a ele comparecer, sendo, em seguida, liberado.

No dia e hora indicados no termo circunstanciado para o comparecimento do usuário no Juizado Especial Criminal, será realizada audiência preliminar (conduzida, via de regra, por conciliador) em que o Ministério Público, preenchidos os requisitos legais, oferecerá proposta de transação penal, consistente na aplicação imediata de advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e/ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 48, parágrafo 5°, da Lei de Drogas).

Referências bibliográficas:

CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da Lei 11.343/06. 6ª. Edição. São Paulo: Saraiva, 2013.

GOMES, Luiz Flávio. Lei de Drogas Comentada. 5ª. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

*Por: Thiago Hygino Knopp, advogado criminalista com foco em casos de Consumo Pessoal e Tráfico de Drogas, inscrito na OAB/RJ nº 165.680. Especialista em Criminologia, Direito e Processo Penal (UCAM). Também é editor do blog Pergunte ao Criminalista e da página no Instagram @pergunteaocriminalista. Contato:  [email protected]

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