O México está emergindo como uma das maiores potências da cannabis legal no mundo. As promessas de negócio do chamado “ouro verde” estão estampadas em manchetes de todo o mundo, enquanto toneladas de maconha ilegal são colhidas todos os dias nas montanhas do país.
Após 3 longos anos de espera, o Ministério da Saúde do México finalmente publicou o regulamento para a produção, pesquisa e uso medicinal da cannabis, um passo transcendente para um país que desde 2017 esperava por este regulamento fazer a sua tão esperada estreia no mercado legal da erva.
Apesar da mobilização da sociedade civil – incluindo uma quantidade absurda de fóruns e depoimentos de pacientes e profissionais de saúde ao redor do mundo – o governo mexicano optou por uma lei que favorece as empresas farmacêuticas estrangeiras, fazendo pouco caso das necessidade urgentes dos cidadãos e ativistas que reivindicam o direito ao cultivo caseiro e a produção nacional.
O novo regulamento, assinado pelo presidente Andrés Manuel López Obrador e publicado no Diário Oficial da Federação, permitirá que as empresas farmacêuticas comecem a realizar pesquisas médicas sobre os produtos derivados da maconha.
Entre outras finalidades, a lei estipula a “fabricação de medicamentos e derivados farmacológicos e médicos para a realização de diagnósticos, preventivos, terapêuticos, de reabilitação e cuidados paliativos”, conforme publicado.
O que a nova lei permite?
A nova lei autoriza o uso terapêutico dos derivados farmacológicos da maconha e habilita o Ministério da Saúde mexicano a formular e executar políticas públicas que regulamentem a pesquisa científica e a produção nacional.
Além disso, regula o tetrahidrocanabinol ou THC (em concentrações inferiores a 1%) como um narcótico com ampla utilização terapêutica que constitui um problema menor para a saúde pública, e permite a comercialização, exportação e importação de produtos derivados da cannabis para uso industrial (também em concentrações inferiores a 1%).
Cannabis legal para quem?
É importante mencionar que as novas disposições ainda NÃO permitem o uso recreativo ou adulto de maconha, o cultivo de cannabis para fins médicos e científicos por indivíduos ou instituições não autorizadas, o acesso a drogas derivadas de cannabis sem receita e autorização prévia, ou porte de maconha fora dos limites estabelecidos em lei desde 2009 (5 gramas).
No entanto, os avanços alcançados não são menores, pois conseguiu romper com a dinâmica perniciosa de perpetuar um falso debate em que o único objetivo era beneficiar o status quo.
Assim, embora o México tenha dado um passo à frente na legalização da cannabis medicinal, o fez com uma lei elitista que perpetua a dinâmica colonizadora e extrativista que já conhecemos muito bem deste lado do muro.
Enquanto isso, as comunidades indígenas – que historicamente produzem maconha no país – continuam sem a oportunidade de participar do negócio do ouro verde, enquanto mulheres seguem agindo como mulas, jovens sendo sistematicamente extorquidos pela polícia por fumarem um baseado e pacientes que não têm dinheiro para pagar a visita de um médico e a importação de seu remédio.
E quanto a nós, ativistas, pacientes, cultivadores e usuários de cannabis?
Nós – ativistas mexicanos que lutamos pela humanização das políticas de drogas – ainda temos um longo caminho a percorrer.
É hora de avançar com a viabilização de fontes alternativas de abastecimento, como o cultivo caseiro ou a produção por meio de licenças e com a descriminalização urgente do plantio, cultivo, colheita e consumo de cannabis.
Resumindo, é preciso regulamentar. Porque apesar do avanço legislativo, o que foi aprovado no Senado e na Câmara dos Deputados ainda não devolveu a constitucionalidade à lei.
O que fazer? Continuar lutando, para que a lei que regulamentará a maconha para fins “recreativos” amplie as possibilidades de acesso que esta nova lei não contempla.
*Por Polita Pepper, mexicana, ativista canábica, co-fundadora da Associação Civil CANNATIVA A.C e faz parte da Rede Latino-Americana de Mulheres Canábicas. Atualmente está fazendo doutorado em Antropologia Social sobre a produção de cannabis em comunidades indígenas. Mestre em Antropologia Social pelo Centro de Pesquisa e Estudos em Antropologia Social (CIESAS)