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Posso perder meu imóvel por plantar maconha em casa?

O advogado criminalista Thiago Knopp responde à dúvida dos leitores que querem saber: “posso perder meu imóvel por plantar maconha em casa?”.

O cultivo de cannabis, como se sabe, é prática considerada ilícita no Brasil, configurando, desde que em pequena quantidade e para consumo pessoal, o crime de menor potencial ofensivo previsto no art. 28, §1°, da Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006), julgado, portanto, pelo Juizado Especial Criminal.

Apesar disso, por diversas razões, mas especialmente para fins recreativos e terapêuticos, há quem tenha optado por cultivar a planta da popularmente conhecida “maconha” em casa.

É importante que se esclareça desde logo que o plantio para fins terapêuticos sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar também pode configurar, em tese, o crime do art. 28, §1°, uma vez que, embora a Anvisa tenha regulamentado o uso medicinal de produtos feitos à base de maconha, rejeitou a proposta para autorizar o seu cultivo medicinal.

Assim, diante da conjuntura proibicionista brasileira, muitos leitores têm enviado mensagens perguntando sobre se haveria a possibilidade de perderem seus imóveis em razão do plantio de cannabis em casa.

A preocupação dos leitores é legítima tendo em vista a previsão do art. 243 da Constituição da República de 1988 no sentido de que as propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.

Trata-se, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, de espécie de confisco constitucional de caráter sancionatório, ou seja, uma penalidade imposta ao proprietário que praticou a atividade ilícita de cultivar plantas psicotrópicas, sem autorização prévia do órgão sanitário do Ministério da Saúde (RE n. 635.336/PE, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 14/12/2016).

Confisco de terras e bens

O tema relativo ao confisco de terras e dos bens em que se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas está disciplinado na Lei n. 8.257, de 1991. A lei define os conceitos de cultura e de plantas psicotrópicas, bem como fixa a possibilidade de excepcional autorização, dada por órgão do Ministério da Saúde, para a cultura de plantas psicotrópicas, exclusivamente para atender a finalidades terapêuticas e científicas. Estabelece procedimento judicial próprio, de competência cível, no curso do qual o expropriado terá direito à defesa (Mendes, 2015, p. 355).

Foi na leitura da Lei n. 8.257/1991 que pensamos ter encontrado a melhor tese para defender os interesses dos growers temerosos em perder seus imóveis para o Estado ao serem surpreendidos cultivando pequena quantidade de cannabis em casa para consumo pessoal, mas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Isso porque o seu art. 1°, caput, determina que as propriedades onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos e para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos.

Áreas urbanas

Como se vê, é preciso que o imóvel a ser confiscado pelo Estado atenda ao fim previsto pela Constituição da República de 1988 e regulamentado pela Lei n. 8.257/1991, qual seja, assentamento de colonos e cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, de modo que, em se tratando, p.ex., de pequena propriedade localizada num determinado centro urbano, não estaria demonstrado que o bem serviria para o que determinado pela Constituição, sendo, por isso, ilegal a sua expropriação.

Ademais, estamos diante da prática de um crime, como dito, de menor potencial ofensivo e que não prevê a aplicação de pena privativa de liberdade, mas de medidas alternativas (advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e/ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo); além da pequena quantidade de plantas cultivadas e a finalidade de consumo pessoal exigidas para a configuração do tipo legal.

Daí a conclusão no sentido de que nesses casos, a sanção de confisco, com a expropriação do imóvel em que se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas pelo Estado, seria desproporcional e, desse modo, ilegal.

A tese, inclusive, já foi aceita pelo Superior Tribunal de Justiça, como podemos conferir no seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO CONFISCATÓRIA. LEI N. 8.257/1997. ASSENTAMENTO DE COLONOS. INVIABILIDADE. QUANTIDADE DE PLANTAS APREENDIDAS.   PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.  REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1.  O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n. 2). 2. Hipótese em que o Tribunal de origem julgou improcedente o pedido expropriatório, ao fundamento de que o imóvel não atenderia à destinação constitucional prevista (assentamento de colonos), dada a inexpressiva extensão do terreno, entendendo, ainda, que a sanção seria desproporcional e desarrazoada em virtude da quantidade de psicotrópicos apreendida no local (cinco pés de maconha e oito mudas). 3.  A modificação do julgado, nos moldes pretendidos, demandaria o reexame dos requisitos dos arts. 243 da Constituição Federal e 1º da Lei 8.257/1997, providência incompatível com a via estreita do recurso especial, a teor da Súmula 7 do STJ. 4. Agravo interno desprovido. AgInt no REsp n. 1.448.015/PB, rel. Min. Gurgel de Faria, j. em 7/2/2019 (grifei).

Referências bibliográficas:

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 8ª. Edição. Bahia: Juspodivm, 2020.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6ª. Edição. São Paulo: Saraiva, 2015.

*Autor: Thiago Hygino Knopp, advogado criminalista com foco em casos de Consumo Pessoal e Tráfico de Drogas, inscrito na OAB/RJ nº 165.680. Especialista em Criminologia, Direito e Processo Penal (UCAM). Também é editor do blog Pergunte ao Criminalista e da página no Instagram @pergunteaocriminalista. Contato: e-mail: [email protected]

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