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Posso perder o emprego por usar maconha?

Será que o uso de cannabis pode justificar a demissão do trabalho? 

A dúvida enviada pelo leitor da coluna é de grande relevância para os trabalhadores de carteira assinada, tendo em vista que a justa causa é considerada a pior penalidade que o empregador pode aplicar aos seus funcionários e que ocorre quando o colaborador comete algum ato ou falta grave. 

Não há previsão legal na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para a dispensa por justa causa do usuário de “maconha” ou outras drogas ilícitas.

Os motivos da justa causa estão descritos no art. 482 da CLT, no entanto, não é um rol definitivo, devendo cada caso ser avaliado de forma individual, uma vez que a justa causa, por ser uma medida extrema, ao ser aplicada de forma errada, poderá ser revertida na Justiça do Trabalho.

Nesse sentido, ao aplicar a justa causa pelo uso de cannabis no local de trabalho, o empregador usa como respaldo jurídico o art. 482, alínea f, da CLT (embriaguez habitual ou em serviço).

No entanto, segundo a jurisprudência dominante, a embriaguez habitual e em serviço não podem ser tratadas da mesma forma.

A embriaguez habitual ou crônica é a que ocorre com frequência e atualmente é reconhecida como doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – alcoolismo – ou seja, gera compulsão e afeta o comportamento e discernimento dos indivíduos. 

Desse modo, o dependente deve ser tratado e não punido com a demissão por justa causa. 

A embriaguez em serviço é a que ocorre eventualmente. Essa, sim, pode resultar em uma demissão por justa causa.

Mas por que estamos falando da embriaguez?

Porque, como dito, não há previsão legal para aplicação da justa causa por uso de maconha no trabalho, mas a doutrina e a jurisprudência dominantes consideram que os mesmos critérios utilizados para afastar a justa causa do alcóolatra também deverão ser utilizados para os dependentes de cannabis.

Como se trata de uma substância psicotrópica, a dependência da droga é considerada doença, identificada pela OMS, devendo o funcionário ser amparado por seu empregador, com procedimentos educativos e consequentemente encaminhado ao INSS para receber o devido tratamento, uma vez que a própria Lei de Drogas deu proteção ao usuário, então, como poderia ser diferente no ambiente de trabalho?

Conduta habitual X conduta eventual

Assim, caso o empregado seja flagrado fumando maconha no ambiente de trabalho, a situação terá que ser analisada como um todo, de forma detalhada e com máxima sensibilidade pelo empregador, ou seja, deverão ser verificadas todas as circunstâncias envolvidas e caso seja uma conduta habitual, o trabalhador será considerado dependente, devendo receber medidas educativas e ser encaminhado ao tratamento.

Por esses motivos, as medidas disciplinares como advertência e suspensão, autorizadas pela CLT, seriam os meios mais prudentes antes da aplicação da penalidade máxima como a justa causa, uma vez que o Judiciário está em constante evolução no que diz respeito às políticas de drogas e essas medidas serão vistas com bons olhos pela Justiça do Trabalho, sendo sinal de que o empregador tentou “resgatar” o trabalhador, além de não correr o risco da demissão por justa causa ser revertida em juízo.

Agora, caso seja usuário eventual, aquele que só consome em alguns períodos ou ocasiões, deverá ser comparado à embriaguez em serviço apontada na segunda parte do art. 482, alínea f, da CLT, portanto, suscetível de demissão por justa causa quando comprometida suas atividades laborais.

No Direito do trabalho rege o princípio da proteção ao trabalhador e continuidade do emprego.

Tema complexo

Dizemos isso porque a cannabis no ambiente de trabalho é um tema bem complexo e com carência de legislação, de modo que os juízos e tribunais analisam cada caso dentro da razoabilidade e proporcionalidade e forma individualizada. 

Seguindo esse raciocínio, possuímos decisões em nossos tribunais no sentido de que o uso de maconha durante o intervalo de almoço/descanso fora do ambiente de trabalho, não resulta em demissão por justa causa, desde que não comprometa a rotina de trabalho, vejamos:

O uso ou porte de maconha no horário do intervalo intrajornada, fora do ambiente de trabalho, sem outros reflexos diretos no contrato de trabalho, não pode ser punido com dispensa por justa causa, para quem o empregador poderia ter aplicado outra penalidade, ou mesmo procedimentos educativos no intuito de “resgatar” o trabalhador, segundo o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. 2ª Turma. Rel. Des. Mário Macedo Fernandes Caron.

Cabe lembrar que o poder potestativo do empregador permite a demissão SEM justa causa de seus funcionários a qualquer tempo, porém, mesmo nas demissões sem justa causa, uma vez comprovada a dependência química judicialmente, o trabalhador poderá requerer sua reintegração ao trabalho.

Por fim, é preciso ressaltar as disposições constantes na Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a qual considera discriminatória a demissão dos portadores de doenças graves e estendendo-se tal entendimento aos portadores de dependência química, uma vez sendo comprovada na Justiça do Trabalho que a demissão sem justa causa foi discriminatória, o trabalhador, além da reintegração, poderá requerer indenização por danos morais.

Referências Bibliográficas

BARBOSA GARCIA, Gustavo Felipe. Manual de Direito do Trabalho: 12ª edição. Salvador, Bahia: Juspodivm, 2019.

CARRION, Eduardo. Comentários à Consolidação das Leis Trabalhistas: 43ª Edição. São Paulo: SaraivaJur, 2019.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho: 17ª Edição. São Paulo: Método, 2020.

*Por Jéssica Machado, advogada trabalhista e previdenciarista inscrita na OAB/RJ sob o nº 198.035. Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário (UCAM). Sócia fundadora do Escritório Machado & Oliveira Advocacia e Consultoria. Contato: e-mail: [email protected]; Instagram: @jessicamachadoadv

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